segunda-feira, 22 de junho de 2009

A importância do movimento para a aprendizagem

Os caminhos que percorremos como terapeutas ocupacionais, nos levam a vislumbrar oportunidades de crescimento continuado.

Actualmente trabalho em um espaço terapêutico onde se utiliza o método Brain Gym, desenvolvido por Dr. Paul Dennison e Gail E. Dennison, para tratar de crianças com distúrbios de aprendizagem, autismo, hiperactividade, deficit de aprendizagens, deficit sensoriais, lesões neuromotoras, etc.

A título de fortalecer os conhecimentos e estabelecer conexões científicas, resolvi reler o livro “Smart Moves, Why Learning is not All in Your Head” de Carla Hannaford, Ph.D. Great Ocean Publishers, Arlington, Virginia, 1995, e surpreendi-me por observar, que boa parte das recomendações da autora, ainda estão patentes e são necessárias de serem mais uma vez divulgadas. Vou transcrever, alguns trechos que traduzi, e que destaco, por sua importância nos dias de hoje, em que as crianças, jovens, adultos e idosos passam boa parte do seu tempo, em computadores, ou realizando actividades de leitura e escrita em perspectiva bidimensional e fisicamente com baixa quantidade de mobilidade, ou seja em sedentarismo.

“ Mais movimento, mais aprendizagem” (capítulo 6, paginas. 101-102)

É essencial para o processo de aprendizagem que permitamos às crianças explorarem cada aspecto do movimento e de equilíbrio no seu ambiente, como andar sobre cubos, subir numa árvore, ou pular sob obstáculos, ou mesmo pular sobre alguns móveis, escadas, plataformas, rampas, declives, etc.

Uma mãe indígena contou-me que quando ela era uma criança, ela e outras crianças, podiam explorar a tenda central desde de manhã até o fim do pôr-do-sol. Nem ela, ou qualquer criança, nuca tinham se machucado seriamente nessa aventura, e ela sentia que isso foi essencial para seu total processo de aprendizagem. Todavia, com a actual percepção de o mundo é um espaço perigoso para crianças, ela jamais permitiu seus filhos ir para a tenda. Sem a tenda central para explorar, seus filhos fizeram da Televisão seu passatempo predilecto. Ela admite que seus filhos têm movimentos alterados de equilíbrio e mobilidade de cabeça. Ela pensa que isso pode também estar relacionado com as dificuldades de aprendizagem que eles possuem, especialmente ler e escrever, que agora eles estão experienciando na escola.

Em um estudo com mais de 500 crianças Canadianas, os estudantes que despendiam uma hora extra cada dia em classe de ginástica, apresentavam notavelmente melhores resultados nos exames, do que as crianças menos activas. Similarmente, homens e mulheres aos 50 e 60 anos, que são estimulados para realizarem um programa de aeróbica, com um regular caminhada ao ar livre, por quatro meses, aumentaram sua performance em testes mentais na ordem de 10%.

Observando-se mais atentamente, 13 diferentes estudos em relacionados com exercício/ e link de poder cerebral, o exercício foi considerado como o factor de crescimento e desenvolvimento do cérebro e como preventivo da deterioração de cérebros mais velhos.

Segundo Hannaford, muitos estudos na década de 90, foram responsáveis por explicar como os movimentos directamente beneficiam o Sistema Nervo Central. Actividades musculares, particularmente movimentos coordenados, são responsáveis por estimular a produção de neurotransmissores, substâncias essas que estimulam o crescimento de células nervosas, e também aumentam o número de conexões no cérebro. Estudos com animais também confirmavam esse link.

Num estudo na Universidade da Califórnia, a neurocientista Carl Cotman verificou que os ratos que corriam em rodas tinham mais neurotróficos que os ratos sedentários. Em outro experimento feito pelo neurocientista Willian Grenogh na Universidade de Illinois, os ratos que tornavam-se proficientes em precisão e movimentos coordenados necessários para agilmente correrem através de pontes de metal e cordas, tinham um número muito maior de conexões entre os neurónios do cérebro do que os ratos sedentários, ou aqueles que meramente corriam em automáticas rodas. “

domingo, 5 de abril de 2009

Quem vê a deficiência não vê a pessoa






DEFICIÊNCIAS, Mario Quitana

"'Deficiente' é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino.

'Louco' é quem não procura ser feliz com o que possui.

'Cego' é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria, e só tem olhos para seus míseros problemas e pequenas dores.

'Surdo' é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no fim do mês.

'Mudo' é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia.

'Paralítico' é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de sua ajuda.

'Diabético' é quem não consegue ser doce.
'Anão' é quem não sabe deixar o amor crescer. E, finalmente, a pior das deficiências é ser miserável, pois:

' A amizade é um amor que nunca morre. "

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Sou bela, belíssima


Mobilidade exclusiva


Eu sempre soube que a vida é puro movimento
Quando pequena viva correndo, pulando, girando
Ia para onde meus pais me permitiam, porém
Excepto quando minha curiosidade me incitava

Tinha um grupo de amigos exploradores
Amigos confidentes e amigos de peraltices
Minha infância foi de tantas brincadeiras
Nos parques de merendas, jardins, escolas

Na juventude então eu me senti grande
Acreditava que poderia mudar o mundo
Vivíamos em bandos e cheios de alegria e graça
Em danceterias, correrias, protestos, baladas

Hoje, tenho descoberto, que meus movimentos
Não são coordenados e que estão debilitados
Mas não aceito olhares de pena ou de aversão
E ter tantas dificuldades em fazer novos amigos

Também não aceito não poder ir e vir
A acessibilidade inclusiva ainda é uma ficção
Muitas calçadas, transportes, centros comerciais
Exposições, teatros, cinemas, moradias estão ainda inacessíveis

Por que somente agora eu percebo isso?

Poema feito após a foto
Gisleine Martin


segunda-feira, 30 de março de 2009

Paradigma Terapêutico: Confortável







Há dezenas de anos, trabalho com crianças e adultos com escolioses graves. Não é uma situação simples, e não deixo, em boa parte das vezes, de me sentir emocionalmente perturbada.

Sim sou profissional. Devo não me envolver, principalmente para não transferir sentimentos conflituantes. Para realizar meu procedimento terapêutico de forma conscientemente equilibrada.

Isso é que é ensinado, preconizado, esperado.

Sei também que meu estado de competência profissional pode ser alterado pela minha dor ao constatar o que vejo. Ainda bem, que logo a seguir, como qualquer ser humano, penso em retirar a dor do indivíduo e a minha.

Por que escrevo esta denúncia? Porque continuo a ouvir as mesmas histórias. Dos familiares. E penso, que deve haver alguma forma de promover uma mudança, alterar essa realidade. Foram mais de 15.000 casos de escoliose grave no Brasil. Um número dramático. Sem dúvida. E outras centenas em Portugal, Espanha, Grécia, Itália.

A maior parte dessas histórias estão correlacionadas aos profissionais que atenderam essas pessoas, e ao desconhecimento deles em promover uma adequação postural o mais precoce possível, ainda quando eram bebés. A outra parte dessas histórias tem haver com a declaração, geralmente feita por um médico, de que aquele bebé tinha um comprometimento muito grave e que devia ser dado a ele, enquanto viver – porque viveria pouco - o maior conforto possível. Quantos já estão com 20, 25 anos.

Assim muitos pais não investiram em terapia, escolheram os carrinhos de transporte confortáveis e fáceis de manejar. Essas pequenas crianças, na maioria, não tiveram um processo de reabilitação continuado com uma mesma equipe profissional. Seus tratamentos não foram objectivados a médio ou longo prazo.

Atendi algumas crianças, filhos de profissionais de saúde, portanto conhecedores do assunto, mas ainda assim também ouvi à solicitação para realizar um posicionamento de forma bem simples, sem “chamar atenção”, sem “engrenagens” complexas, que fossem práticos, fáceis de serem transportados. Confortáveis. Muitas vezes, essas crianças apresentavam faces deformadas, corpo franzino, e uma série de distúrbios associados, que plausivelmente demonstravam suas deficiências. E já estavam com escolioses graves.

Como esconder o óbvio?

Como profissional investigador, inventora, eu sei que devo fazer um procedimento efectivo, para aliviar os vários agravos que aquela criança apresenta. Ser simples e confortável com uma escoliose de 50º? Como? Deixar então que a escoliose aumente?

Respeito sim os pais, sobremaneira, são eles que vivem a realidade diária. Mas há uma deformação no conceito de conforto e simplicidade. Vivemos num mundo de aparências e modas. É claro que nossa criança multideficiente não é comum de ser vista. E pelo decorrer da nossa sociedade actual, ainda faltará muita emoção para mudar este contexto.

Emociono-me sim, e muito. Vejo crianças e jovens com dor, com deformidades imensas, e famílias com vergonha, com sentimentos de incompreensão, de derrotismo. Um sofrimento maior, assomado a um caso já muito grave. Quando chegam, passada a fase de adolescência, há complicações para a higiene, para o manuseio, mãe e pai com problemas na coluna e constrangimento de profissionais e familiares. Ninguém sabe como o jovem ficou naquele estado?

Tenho que denunciar o conforto postural. O conceito usual de conforto para com um paciente ainda bebé, mas que tem uma lesão motora grave, que na maior parte das vezes – para não ser absoluta ou rígida – terá uma assimetria, transferência de peso inadequado, centro de gravidade alterado, compressão das zonas onde há maior alteração de tonus e de sustentabilidade corporal. Que conforto é esse que é preconizado e que nada faz para evitar o desconforto futuro?

Como o corpo tende a ajustar-se aos posicionamentos preferenciais, cintura pélvica inicialmente e depois cintura escapular irão girar para equilibrar o centro gravitacional. Eixo cardinal deslocar-se-á, movimentos no plano sagital, frontal e transverso, irão alterar suas amplitudes. A Ergonomia e Biomecânica, mal poderão explicar as deformidades e escolioses sinuosas decorrentes. A compressão pulmonar e cardíaca, os desgastes interdiscais, as perdas de actividades de alguns grandes músculos e as contracturas originadas, não serão compatíveis com as práticas terapêuticas.

Tenho atendido escolioses com mais de 80º de concavidade, com distensão, compressão, e dano total de inúmeros discos intervertebrais. Mas apesar do que está escrito nos livros, ou que foi prognosticado, essas crianças e adultos estão vivos.

Estão alertas, alguns com cognição completamente preservada. Sim alguns deles olham-me nos olhos, com tal intensidade que mal posso respirar. E como alguém pode me dizer, que não devo emocionar-me? Algumas desses indivíduos nesse estado, com deficiência respiratória, dor e deformidades está confortável como foi inicialmente recomendado?

É de facto um paradigma controverso, o do estar confortável sem apoios posturais eficazes biomecanicamente, neste planeta, onde a lei gravitacional é uma das forças físicas mais impactantes no nosso corpo.

A ciência Física também nos ensina que à toda força devemos oferecer uma contra-força igual para equilibrar. Na Biomecânica, esse conjunto de forças é denominado de Alavanca de Primeira Classe. A força da flexão do tronco, comum em tantos bebés, deve ser equilibrada com uma contra-força, e cada assimetria também deverá ser reequilibrada. Trata-se apenas de controlar desequilíbrios que são vectores de forças.

Aprendemos durante o primeiro ano a nos equilibrar e enfrentar a gravidade, até chegar à posição de pé. Andamos em extensão, com pequenas doses de flexão. Há todo o "balance" e a "endurance" antigravitacional. Mas há dezenas de estudos publicados sobre o mal posicionamento das crianças normais em mobiliários escolares não ergonómicos e escolioses.

O desenvolvimento humano é pautado pela experiência. Nosso corpo, cérebro, mente aprendem por repetição, após treinar várias vezes. Treinar nunca é uma tarefa simples, fácil, não é um medicamento de engolir e deixar agir. Não é fácil.

Treinamento exige dedicação, rotina, continuidade. Procedimentos eficazes. Conforto controlado e dinâmico para qualquer tipo de aprendizagem. No caso de um processo de reabilitação, treinamento é a palavra-chave para tudo. Inclusive para se realizar uma adequação postural sentada, em pé, em marcha. Realizar uma adequação postural correcta, não é infringir desconforto. É prevenir desconforto.

É evidente que todo treinamento deve ser gradual, inicialmente de curta duração e não provocar qualquer quebra de energia. Com a acomodação à dose inicial, ir assim, aumentando o tempo necessário. Assim também fazemos com a adequação postural.

Vamos com regulagens gradativas utilizando as contra-forças para as alterações que se apresentam nos planos frontal, sagital e transverso de posicionamento corporal. Há que cuidar-se e muito da simetria do plano mediano - cardial. Nenhuma adequação postural deve trazer desconforto. Deve ser feita de forma gradativa. Mas não poderá ser tão suave que não exerça qualquer função. Fazer isso é nada fazer.

Actuando com milhares de crianças de forma ergonómica e biomecanicamente eficaz, gradualmente, pudemos comprovadamente com fotogrametria, provocar a redução de escolioses em jovens adultos. Se há ainda redução nessa idade, o que não poderemos fazer, quando actuamos precocemente? Com eficácia terapêutica!

O que é necessário? Conhecimento biomecânico, ergonómico do corpo e do que ocorre nos transtornos neuromotores de forma aprofundada, responsabilidade, clareza para com os pais. Advertência de efeitos secundários futuros. Conhecimento de reabilitação tecnológica – tecnologias assistivas e seus vários contribuintes, e da complexidade tecnológica necessária para casos graves. Mudança de paradigmas. E sobre tudo, de facto, praticar-se a inclusão (nos dias de hoje é somente uma lei num papel, e um aluno especial "perdido" nas escolas comuns).

Respeitar o corpo e a mente daquela criança gravemente comprometida motoramente, ainda bebé e por toda a vida dela.

Bibliografia

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